domingo, 20 de março de 2011

O meu Pai



" Em 1984 o meu pai inventou o BORAT "



Ontem foi o dia do Pai.

E eu gosto muito do meu.

O meu Pai é uma pessoa incrivelmente culta. E ensinou-me, sem saber, que se aprende em todo o lado, na rua, nos livros, na escola, no café, na revista Maria, em Paris, no Bairro Chinês, no jornal de desporto que fala bem do Benfica, no Expresso, no Estádio Da Luz, no Louvre, no cinema, e nas trocas de olhares.

O meu Pai chama-se Victor, mas agora não sei bem como se vai chamar.

O meu Pai acha que os piercings são formas de mutilação. Foi comigo fazer o primeiro, no umbigo, porque era preciso a autorização de um dos pais, anos depois percebeu que tinha feito outro furo na orelha e perguntou-me se agora tinha a ambição de ser um passador.
O meu Pai faz shots de tequila para os meus amigos nas minhas festas de aniversário, e abre garrafas de champanhe para bebermos se nos apetecer. Só porque merecemos.
O meu Pai gosta do café bem quente, mas não muito curto nem muito cheio. E um dia pediu uma água com gás... "mas pouco". (acreditem que a LUSO ainda não se tinha lembrado de inventar isto).
O meu Pai gosta de ir ao cinema, gosta de ir beber um copo connosco, gosta de ir comer fora, gosta de ficar com uma "granda dor de cabeça" e fumar uma cigarrilha de vez em quando depois do almoço. O meu Pai fumou um maço de tabaco inteiro para ver se apanhava o vicio e não conseguiu.
O meu Pai tem um coração do tamanho do mundo, e um feitio danadinho.

O meu Pai deitava-se na minha cama de barriga para o ar com o braços atrás da cabeça para me convencer que eu conseguia escrever uma composição na primária. Fazia contas comigo, chamava-me burra e depois fazíamos equações. O meu Pai que mal foi à escola sabe mais que eu de tudo o que estudei. E como mal foi à escola sempre fez questão de nos mostrar que teve uma sorte do caraças, mas que nós precisávamos de estudar porque tínhamos de nos valer de alguma coisa. Os tempos agora eram outros.
O meu Pai não suporta o cheiro de sardinhas porque quando decidiu que não queria estudar foi trabalhar para a tasca do Padrinho.
O meu Pai tem um sentido de humor extraordinário, repara em tudo o que são detalhes, mas não sabe contar anedotas. O meu Pai quando se ri fecha muito os olhos, e gosta de dizer das coisas que são " intragáveis ", "piores que bater na avó" ou "cuspir na sopa".
No carro do meu Pai ouviamos Creedance Clearwater Revival, Pink Floyd, "Gato Esteves", Doors, Mamonas Assassinas, Ena Pá 2000 e quando eu pedia muito, Onda Choque.

O meu Pai nunca gostou de nos ver andar sem meias, ou de cabelo molhado. Chama as "leggins" - "legs" diz que a minha Mãe tem braços de estivador, e um dia quando viu o meu irmão de calças cor-de-rosa perguntou-lhe " Então agora és paneleiro?".

Sempre que jogávamos à forca nos restaurantes o meu pai usava a mesma frase " Voando Sobre Um Ninho De Cucos", incrível como nem sempre acertávamos. Queria muito que eu lesse o "Gato Malhado e a Andorinha Sinhá" e eu li, e ele achava um piadão à capa e eu não percebia porquê.

Quando me dava banho o meu Pai cantava-me músicas brasileiras, hoje sou incapaz de as ouvir e de não o ouvir a cantá-las também. Mesmo quando não sabe o meu Pai sabe.
E vive os meus problemas como se fossem O maior problema dele. O meu Pai não sabe cozinhar, mas sempre que estávamos com tosse não dormia e fazía-nos xarope de cenoura com açúcar mascavado.

O meu Pai gosta de doces. Mas não suporta o sabor do tomate. Para ele a salada é sempre só de alface. O Bife é bem passado, sem ser esturricado, "mais para o bem do que para o mal". E preocupa-se sempre SEMPRE em saber se ha alguma coisa que eu coma nos sítios onde vamos comer. Nunca o ouvi falar sobre o facto de não comer carne.

O meu Pai tem um sentido de justiça e de seriedade incrível. O meu pai é uma pessoa popular, e é um dandy. Gasta um frasco de perfume por semana, veste-se maravilhosamente bem, e sempre esteve um passo à frente do seu tempo. Nunca achou piada a que eu vestisse roupa "barata", porque para ele a qualidade tem um preço. E vale a pena investir em peças de roupa. É por isto que sempre que vou lá a casa durmo com um polo da Tommy que ele me deu. O meu Pai pede-me conselhos e não deixa que falte nada a ninguém.

O meu Pai é bem capaz de saber todas as músicas de intervenção de cór. Podia ter tido um futuro na política, mas teve a "indecência" de ir de gravata no dia da primeira reunião do partido e foi excomungado.

O meu Pai fala muito de viajar mas não gosta de estar fora de " casa ", o meu Pai é melancólico mas sabe esconder isso.Acho que Ele podia escrever um livro. O meu Pai é super critico, opina indescriminadamente sobre tudo o que fazemos, tudo em que trabalhamos, e tudo o que poderiamos ter feito. O meu Pai tem sempre razão, ou tem "boca de siri" como diz a minha Mãe. Se ele diz que alguma coisa vai ter determinado consequência assim acontece. Não se inibe de nos chamar nomes, desde nomes ofensivos a nomes de personagens de filmes ou de livros.

O meu Pai é o melhor a arranjar alcunhas para as pessoas. E a classificar situações e coisas. Com ele é fácil falar sem abrir a boca, ou por códigos. Ele não entende muitas das coisas que visto, mas depois é capaz de me sugerir as peças de roupa mais extravagantes e hilariantes.

O meu Pai nunca gosta dos presentes que lhe oferecemos. E sabemos quando ele está chateado quando fica sem o lábio de cima.

O meu Pai continua-me a abraçar, e até me dá colo às vezes. Ensinou-me a tratar todas as pessoas da mesma maneira. E fez-me passar secas descomunais porque fala sobre tudo com toda a gente.

O meu Pai foi trabalhar para o fim-do-mundo (vulgo Bombarral), e porque andava sempre de fato e não trabalhava em banco nenhum passou a ser chamado de Sr. Engenheiro, e eu sempre ouvi dizer ' ai o teu pai é muito charmoso ". O meu Pai usava bigode e quando o cortou foi estranho. O meu Pai, apesar de comprar roupa várias vezes por ano, dizia sempre que aquele casaco era do meu baptizado. e quando eu fazia teatro levava-me aos ensaios e ficava à minha espera horas infinitas no carro. Quando eu nasci a minha mãe foi para a maternidade e ele ficou a ver o Benfica, depois foi-me ver felicissimo porque tinhamos ganho. O meu Pai nunca se manifestou sobre a pessoas que levávamos lá a casa, e nunca questionou se levávamos 1 ou 20 amigos para jantar. Nunca achou muita piada a que saísse sozinha com raparigas já que tinha namorado.

O meu Pai mergulha da forma mais cómica de sempre, e tem os tiques e as manias mais desajustadas de que me posso lembrar. Quando o chamamos à razão responde com cara de mau " aiiii... mas qual é o teu problema?". Quando passamos pela escola primária onde andou diz " eu andei ali na escola".

Tem um hobby : perder óculos de sol. Costuma chamar os árbitros de "filhos da avó", e insiste em pagar-me as quotas e em manter o meu lugar cativo no estádio pelo menos até receber a minha àguia de prata. O meu Pai não quer ser avô, mas também não suportava a ideia de ter cães e trata a minha cadela Pipas como uma princesa.Quando o meu Pai está cansado diz que está todo "cozido".



O meu Pai é o melhor Pai do mundo.

E tem a mania que cobra por isso.

6 comentários:

  1. Subscrevo de lágrima no olho. Sabes que vais ter problemas se chegar o dia da mãe e não escreveres nada parecido.

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  2. porra q este texto prendeu a minha atençao!

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  3. Prometo que esta é a última vez que comento no teu blog :-) o texto está absolutamente lindo e parece ser muito sincero. Da mesma maneira que tens orgulho do teu pai acredito que ele tem orgulho em ti. bjo

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