segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mano

Quebra Corações.






Eu tenho um irmão. E damo-nos como irmãos.
Com tudo o que isto possa querer dizer, e não sei se é muito se é pouco. Mas será alguma coisa. Passo a explicar.

Quando o meu irmão soube que vinha mais um bebé lá para casa, quis muito muito muito muito que fosse um rapaz. Ele queria poder jogar à bola, ter mais bonecos do Iron Men, brincar às guerras, e sujar-se todo com um gajo tão fixe como ele. E até ao dia 10 de Janeiro ele achou que o João ia ser um benfiquista, e que iam ser a dupla mais porreira lá do bairro. Mas não… nasceu a Ana. Que de rapaz tinha aparentemente muito pouco. E para jogar à bola não dava, só se servisse mesmo de objecto de arremesso. Solução? Pegar nela e deitá-la no caixote lá ao pé de casa. Como lhe boicotaram o plano a nossa relação ficou altamente comprometida.

Passado algum tempo ele começou a perceber que ter uma irmã podia até ser divertido. É bom ter alguém inocente e ignorante que tem medo de nós e está sujeita à nossa perversidade sabidona. Então toca de mandar a Ana ir comprar electricidade em pó, toca de mandar a Ana fazer figuras tristes, toca de pôr todos os amigos da escola preparatória a espreitar pela janela da sala lá de casa, enquanto a Ana cantava e dançava ao som dos Onda Choque. (Continuar a enumerar as coisas que ele fazia será sempre mais humilhante para mim do que para ele, por isso este tópico acaba aqui.)

Passámos grande parte da nossa vida a bater um no outro, começávamos com ligeiros toquezinhos que terminavam em mordidelas e cenas animalescas para ganharmos lutas que nem sequer tinham razão de ser. Mas tínhamos os nossos momentos. Éramos demasiado cúmplices quando as coisas corriam mal. Uma vez estávamos sozinhos em casa, eu a voar no quarto dele, numa adrenalina desmedida, até que caímos os dois e partimos um copo de vidro. Acho que congelámos os dois e pensámos que íamos ficar eternamente de castigo. Enquanto eu controlava a porta de casa para ver se nenhum vizinho via, ele foi a correr deitar o copo no lixo. Passámos o resto da tarde a ouvir música sem falar sobre isso, como se nunca tivesse acontecido.

Quando éramos ainda mais pequenos e íamos à praia, eu pedia ao meu irmão baldinhos com areia molhada para fazer castelos, e ele metia sempre um ouriço no balde. E um dia ele e o seu melhor amigo Jonas decidiram pintar a cara da minha boneca preferida. Uma obra de arte feita com uma caneta bic que resultou numa boneca muito querida, mas com uns cornos desenhados, um olho roxo, bigode e uma mosca na barba. A promessa de que tudo iria desaparecer quando eu lhe desse banho acabou por ser só isso mesmo – uma promessa.

Passávamos horas infinitas no quarto dele a ouvir música e a cantar. No carro a mesma coisa. E brincávamos todos na rua. Horas e horas a fio. Passámos uma tarde inteira a ouvir a “Master Blaster” do Stevie Wonder em Loop e a cantar o refrão, cada um a sua parte sem nos tentarmos sobrepor.

Eu e ele somos pessoas completamente diferentes. Em tudo. Talvez não no olhar e na forma de falar. No humor somos definitivamente irmãos. E muitas vezes dizemos tudo sem ser preciso falar. De resto acho que é um gajo giro, com pinta e com muita lábia. Lembro-me de a determinada altura querer dar-lhe beijos na boca. Eu tinha prái 4 anos, só me lembro de tentar, e ele empurrar-me e dizer QUE NOJO. Sim… de facto era um nojo. Mas Freud explicaria isto.
Talvez não fosse preciso apelar a Freud para explicar porque motivo havia sempre chatice à pala da Game Gear (a única consola que alguma vez tivemos). Ou como eu acreditava que era estúpida porque ele me convencia que quando a voz do computador de brincar que os meus pais me deram dizia “estupendo” me estava a insultar – provando isto efectivamente que devia um pouco à inteligência.

O tempo foi passando, e as várias idades foram-nos distanciando e aproximando. Eu vim viver com ele para Lisboa, e era “ a hippie que vivia lá em casa “. De resto as discussões passaram a ser as discussões que as pessoas que vivem juntas têm.
“Mete a loiça na máquina”, “ Nunca levas o lixo para baixo”, “Acabou a pasta de dentes e não compraste mais”, “ E o papel higiénico, custa assim tanto por um rolo novo?”.
Ele nunca foi protector comigo, pelo menos que eu desse por isso, e nunca tivemos grandes pudores. Éramos irmãos, mas também éramos duas pessoas que co-habitavam. Que se encontravam na noite, que dançavam e cantavam juntos. Que se apresentavam aos amigos, que abriam a casa a toda a gente sempre que era preciso.

Continuamos a partilhar músicas, ideias para cortes de cabelo, continuamos a cantar, a discutir ideias e a ver fotografias e vídeos que achamos geniais. Continuamo-nos a dar mal e bem ao mesmo tempo no mesmo dia. Continuamos a ser irmãos.

Mas ontem acordei, levantei-me para ir lavar a cara e tentar acordar, e quando olho para o armário, que não tem espelho porque ele o partiu, e vejo que as coisas dele não estão lá… o meu coração ficou pequenino. Deu-me um nó na garganta e pensei que não estava ainda bem acordada, pisquei os olhos e não estava lá nada. Foi com algum alívio que vi a escova de dentes dele ali no copo. Mas foi com desilusão que percebi que parte da roupa também já tinha ido.

Agora aqueles 50m2 vão ser mais para mim. Mas ele está ali, em todo o lado.

Mano… só gostava de te pedir uma coisa.

Compra um espelho para o armário da casa de banho sim?

7 comentários:

  1. muito bom... mano cheio de sorte.

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  2. ter orgulho nos irmaos É ser mais alto e ser maior do que.....

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  3. lol lol descreveste metade da minha vida! :-) **

    http://makeupblah.blogspot.com/

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  4. lindo ana bons tempos e das brincadeiras aquele bairro

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  5. E no meio disto tudo... eu sinto-me muito feliz, por me ter cruzado na vida, com ambos!
    Beijos grandes, Tiago ;)

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  6. Obrigada pela partilha, havia aqui coisas que ele ainda não me tinha contado. Ou se calhar já, eu é que não me lembro. E não pode ser só porque sou esquecida, mas certamente porque ele também tem sempre histórias para contar. :-)
    Felicidades, mana!!! :-)

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