sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Do Diário Dela #5




"Pus água a ferver.

Sei que ainda não tinha despido o casaco, ou tirado a carteira do ombro sequer. Muito menos descalçado os sapatos, hoje de salto, raramente assim. 
O telefone vibrava insistentemente. Percebi isso "5 chamadas perdidas" depois. Caramba, não me apetecia falar, não me apetecia nada. Tinha uma espécie de ardor no corpo, um déja vu sensorial demasiado desagradável.
Ao meu lado, em cima das cadeiras, na mesa... em todo o lado acumulavam-se histórias, memórias, e tantos planos marcados naquele calendário ridículo de uma empresa qualquer do Seixal. Lembro-me de nos rirmos disso. Não dos planos, mas do calendário inóspito que arranjei para os traçar.
Quando a decisão mais difícil que temos para tomar é :
"Que chá vou fazer?" Compreendemos que ganhámos uma óptima capacidade de relativizar o mundo.

Mas esse estava longe de ser esse o caso. Enfiei aleatoriamente uma saqueta de chá no bule, deixei a água cair, queimei-me, disparei os sapatos para o corredor, tentei-me concentrar no ponto ao fundo da sala, tudo para manter o equilíbrio:

"Foquem um ponto e não se esqueçam de respirar." É sempre nestes momentos durante a aula de yoga que perco ainda mais a capacidade de concentração. E se eu me esquecer de respirar? Eu tenho trezentas coisas em que pensar ao mesmo tempo... respirar deverá passar agora a ser uma coisa da qual me devo lembrar?! 

Desmancho a cama. Ainda está morna. Como se ainda lá estivesses. Estás?
Na almofada uma mancha preta e outra vermelha, como pinturas rupestres.
Eu sei que não me devia deitar sem tirar a maquilhagem. Muito menos chorar com rimmel nos olhos e depois há o hábito estúpido de pintar os lábios de sangue. O corpo contínua-me a arder. Mas hoje as prioridades devem ser outras. 
Esqueço o chá. Volto para a sala. Olho de novo para o calendário, começa a rir, agora sim do que escrevi nele. Rasgo a primeira folha, agora há dias e horas e espaços em branco por preencher. 
Pego no baton vermelho e copio a frase do poeta : " Todas as histórias de amor são ridículas." 
Volto a calçar os sapatos e saio de casa... " 


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