domingo, 3 de março de 2013

Do Diário Dela #8




"Tenho sentido necessidade de falar da temperatura do teu corpo. 

Se por norma tenho as mãos geladas e o resto do corpo em constante variação térmica, tu manténs uma estabilidade digna de registo. A única diga-se. 
Talvez por isso interessante. Não és - de resto - a definição de coerência. Penso que passaste o tempo todo a tentar prová-lo. Gostava que soubesses que foi : Absolutamente desnecessário. 
Cada um a seu tempo compreendeu que não podíamos contar com nada e que nos movíamos em terrenos de areias movediças que não tínhamos escolha senão pisar. 

Acabaríamos por ir ao fundo. E o que a principio não era assim tão claro, acabou por ser compreensível assim que nos fomos afastando da margem. 
Tranquiliza-me falar no plural. Não pelo desfecho comum, mas pela convicção de que sabíamos a verdade. Que acreditávamos pouco em perspectivas de futuro, ou no prolongamento da nossa vida noutra. Nunca tão pouco quisemos equacionar ou fantasiar sobre um caminho igual. 

Quando alguém me toca, propositadamente ou num toque furtivo fruto de uma qualquer situação do dia-a-dia, ouço : ai que mãos geladas. E não. O meu coração nunca esteve quente. Será que quem te toca compreende que há em ti alguma coisa de particular? Que não são as minhas mãos frias que são de relevar, mas sim o teu corpo que mantém sempre a mesma temperatura. O mesmo toque. A mesma memória. Como se fosse inatingível. Imutável. Como se fosses tu a permanência. 

É isso que me fascina. Depois de todas as tempestades ou de todos os dias de sol, quando chegar a ti espera-me o mesmo. Quer as minhas mãos estejam frias, ou o teu coração de pedra congelado. 

E sei que é também a única coisa que posso esperar de ti. "

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