sexta-feira, 29 de março de 2013

Diário Dela #9

Diário Dela #9


"Não tenho o melhor sentido de orientação. 
Mas conheço minimamente a zona onde vivo. Ainda assim foram preciso meses para compreender um detalhe óbvio. 
Há poucas situações em que identifico com exactidão o momento em que aquela sensação estranha - que sendo boa nos deixa quase ao mesmo tempo sem chão e encantados com outra existência-  começa. 
Sei que caminhámos sem destino, um circuito de quem não sabe bem o que dizer. Na altura não me questionei sobre o porquê de nos termos combinado encontrar depois da noite meia estranha em que nos conhecemos e nem sequer nos demos bem.
Sentámo-nos no chão a conversar. 
Eu descrente no amor e nos relacionamentos. Tu magoado, traído, revoltado. Sem amor, mas com a amargura de quem não se sentia respeitado. 
Ouvi-te. Compreendi-te sem esforço. Tentei-te dizer duas ou três coisas que te pudessem reconfortar. 
Perguntaste-me se me podias ensinar uma coisa. Eu aceitei. 
Começaste a dançar. Não nos tocámos. Disseste só para seguir os teus passos. Para te imitar.
Foi isso que fiz.
Rimos com a inocência das crianças sem noção do ridículo. Rimos depois um do outro por nos conhecermos há menos de um dia e estarmos dispostos aquele momento sem nexo. 
Naquele pedaço de tempo coube tudo. Naquele momento de alegria genuína iniciei o caminho da amargura. 
Ontem, enquanto esperava por um amigo sentei-me na entrada de um prédio, olhei para o fundo da rua e lembrei-me. Foi ali. Foi ali ao fundo. Abanei a cabeça para sacudir a ironia das coincidências e encolhi os ombros enquanto soltei um suspiro. 

Fui demasiado inocente. Eu a descrente no amor e nos relacionamentos. 
Olhei para cima. O nome da rua... 

Rua Das Chagas. 

Soltei uma gargalhada sentida. 

O fim da história estava escrita mesmo antes de sabermos que ia ter um principio. "

pag. 547


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